Onerosidade Excessiva e Teoria da Imprevisão

Muito tem se falado a respeito de onerosidade excessiva superveniente e Teoria da Imprevisão.

Isso porque, a declaração de Pandemia repercutiu e ainda repercute severamente na situação econômica do País e, consequentemente, impacta sobremaneira as relações contratuais.

O fundamento legal para aplicação desses institutos pode ser encontrado nos arts. 317 e 470 a 480 do Código Civil Brasileiro

Pois bem, a ideia desse breve artigo é explicar a finalidade desses institutos e identificar as situações nas quais eles podem ser invocados.

A Teoria da Imprevisão monta desde o período medieval, mais especificamente do Direito Canônico. Ela tem origem na chamada cláusula rebus sic standibus que se referia à obrigatoriedade do cumprimento das obrigações. De outro lado, tinha-se o princípio do pacta sunt servanda, que contrapunha-se àquela, em alguma medida, ao condicionar esse cumprimento obrigatório à manutenção do estado das coisas no momento da celebração do pacto.

Em linhas gerais, quando se fala em Imprevisão e onerosidade excessiva superveniente, estamos tratando da alteração da Base Objetiva do Negócio Jurídico e do desequilíbrio contratual.

A Base Objetiva do Negócio são as condições gerais externas ao contrato em si (poder aquisitivo da moeda, ordem econômico-social), mas que sustentam os interesses das partes naquele pacto e, sendo assim, elas são essenciais para que o contrato tenha sentido como manifestação de vontade das partes.

Quando, após a celebração do contrato, ocorrem fatos imprevisíveis tão relevantes que esse conjunto de circunstâncias desaparece, é natural que ocorra um desequilíbrio, de modo que o contrato pode deixar de ser útil aos contratantes, porque não mais corresponde aos interesses que o motivaram. É como dizer que o “porque” daquele terminado negócio jurídico não mais encontra resposta.

E é nesse momento que muitos contratos são judicializados com o objetivo de que o Juiz intervenha na relação e restabeleça o equilíbrio, seja pela extinção do contrato ou pela modificação de forma a readequá-lo aos interesses das partes.

Alguns requisitos devem ser observados na aplicação desses institutos:

O primeiro é que exista um intervalo de tempo entre a celebração do contrato e a execução (trata-se, portanto, de contratos de longa duração, de execução continuada ou diferida);

Além disso, é necessário que se verifique efetivo desequilíbrio econômico, o real impacto naquela relação contratual específica.

Ao tratarmos de contratos paritários, ou seja, instrumentos em que há igualdade de condições entre os contratantes, como é o caso dos contratos empresariais, naturalmente precisamos assumir que em todos eles haverá algum risco – o que é inerente à atividade negocial.

Neste passo, para que se verifique presente a onerosidade excessiva, esse desequilíbrio deve superar o risco natural do negócio o que, novamente, será analisado e ponderado conforme cada caso concreto.

Da mesma forma, a análise deve ser comparativa, passando pela formação e execução do negócio, assim como pela prestação e contraprestação. A constatação da presença ou não de excessiva onerosidade será resultado dessa comparação.

Saliente-se que os critérios em análise são objetivos e gerais. Elementos individuais dos contratantes, como perda de emprego etc., não são fatores a serem individualmente considerados, mas sim o efetivo impacto da mudança dos elementos que sustentam aquele determinado contrato (a base objetiva, portanto).

Por fim, é requisito essencial que o contratante esteja adimplente com o contrato – que esteja em dia, uma vez que a mora atrai para o devedor a responsabilidade por todos os riscos que a sucederem, inclusive aqueles decorrentes de caso fortuito e força maior.

Uma vez analisada a situação em concreto e concluindo-se que, de fato, o contrato tornou-se excessivamente oneroso para um dos contratantes, as consequências podem ser desde a revisão judicial do contrato – momento em que o credor pode formular oferta para redução equitativa da prestação de forma que se restabeleça o equilíbrio contratual – até a resolução do contrato, ou seja, o desfazimento do negócio jurídico.

Neste cenário, considerando que as decisões judiciais são ainda muitos díspares em matéria contratual, bem como que qualquer litígio tende a englobar custos altíssimos que vão muito além das custas processuais e honorários advocatícios (o tempo possui valor inestimável, assim como é impossível prever o rumo da relação entre os contratantes após uma demanda revisional), entendo que a renegociação deve estar sempre presente como opção a ser fortemente considerada.

Há que se ter em mente que o restabelecimento do equilíbrio contratual é interessante a todos os contratantes e à sociedade em geral, pois, além de fortalecer o vínculo entre as partes, mantém o fluxo das relações contratuais e trabalha em sentido contrário ao colapso que a judicialização em massa pode causar.

Ademais, reduzir proporcionalmente determinada prestação ou conceder maior prazo para adimplemento de obrigações pode parecer “pesado” em uma análise isolada. Entretanto, se formos capazes de ampliar a visão, é provável que percebamos que as perdas são mínimas, se comparadas aos reflexos de uma “derrota” judicial.

A renegociação deve ser trabalhada como a primeira hipótese para resolução de conflitos contratuais, seguida pelos demais métodos adequados como a mediação e a conciliação. Esse é o caminho mais célere, menos custoso e, portanto, mais efetivo  – desde que as partes empenhem-se para tanto.

 

Autor: Marília Vitola, OAB/RS 72.215